terça-feira, 29 de novembro de 2011

Minha Patagônia de cada dia

Estou eu aqui, nesse mesmo computador, com um coque torto na cabeça (quem tem tempo pra pentear o cabelo?), com uma pilha de coisas pra fazer, rodeada por um caos completo de roupas e livros. Naqueles dias de almejar desesperadamente um pouco de paz e todos ironicamente acordarem falantes, eloquentes e precisarem de uma longa conversa, de soluções, de contar piadas. E eu aqui prestes a surtar de vez. Telefone então eu nem atendo ouço tocar. E nessas horas a gente pensa: por que eu não estou no topo de uma montanha de gelo na Patagônia??? Vendo então se escrever me põe de novo em órbita, antes que alguém abra a porta com um novo discurso infeliz.

Escrever pra mim é coisa muito séria, é terapia. Fiquei muito tempo sem escrever como que num luto, numa longa pausa de mudez. Acontece que sem escrever nem eu mesma sei identificar quem eu sou. Como diz o Hesse, “somente a si mesmo pode cada um interpretar-se”. Só que eu não consigo me interpretar muito bem sem me ler no papel. Essa é a chave que abre a porta do meu inconsciente pra mim mesma. Sem escrever eu me perco na multidão.

Apresar de escrever pra mim, confesso que fico bem feliz quando alguém me aborda nas ruas ou nas internets da vida pra dizer que é leitor do meu blog (apesar de achar mesmo que a maioria tem preguiça desses textos tão grandes). Olho pra essa pessoa com alegria e com uma certa dose de preocupação: sei que ela me conhece bem, que aqui exponho esse universo íntimo que preciso muitas vezes sublimar no dia-a-dia. Me sinto despida, mas aliviada.

Sinto também que só quem me lê sabe realmente quem eu sou. Não que eu seja tão espetacular que todos precisem me conhecer, longe disso! Mas sinto que tenho algo a oferecer - estranha certeza – nem que seja o ato de fazer uma ponte a grandes autores. Queria eu poder ler cada pessoa, ou pelo menos algumas delas! O ser humano, esse experimento único e insubstituível da natureza. Aqui ofereço a vantagem ou desvantagem de poderem “ler meus pensamentos”, literalmente e for free. Goste você ou não, esse caos comum aí sou eu. Fuja a tempo. Ou não.

Voltei a escrever numa situação meio mágica, misteriosa. Se, como diz Kundera, cada existência tem a sua própria temática, a minha vida seria feita de eventos mágicos assim. Pois bem, num belo dia estou num estúdio de amigos em Juiz de Fora e entra um senhor alto, negro, de voz baixa (quase um sussurro), e começamos a conversar. E ele simplesmente começa a contar a minha vida pra mim com detalhes! Ah vá! Ele nunca tinha me visto ou ouvido falar de mim antes! Seria assustador se eu não estivesse acostumada com coisas loucas assim. Pois bem, parecia que ele tinha lido a minha biografia que nem escrita ainda foi. E uma das coisas que aquele senhor me disse foi: “Você gosta de escrever. Você precisa voltar a escrever. Vai te fazer bem.”

Ele não quis dinheiro ou coisa alguma pelo que disse. Saiu da mesma forma que entrou naquela sala: silenciosamente, como uma brisa leve. E me deixou aquele conselho precioso. Desde então voltei a escrever e acabei criando o blog. E desde então sinto que cheguei mais perto de mim, dessa mistura de leituras, ensinamentos e pensamentos que tecem meu imaginário interior, e sinto que consigo lidar melhor comigo mesma e com os outros.

Ufa, acho que consegui organizar meus pensamentos. Agora sim acho que posso (re)começar meu dia. Não que eu tenha desistido da ideia da Patagônia. Em breve estarei lá, no topo da tal montanha de gelo, longe do falatório inconveniente de cada dia, em total silêncio (pinguins, não se atrevam!). Mas por enquanto vou levando com meu caderninho e caneta/computador, contando pra mim, pra Deus e pro mundo quem eu sou. Porque essa voz eu não quero voltar a calar tão cedo. E porque cada um tem a Patagônia que lhe cabe.

Quer trocar, amigo?



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Poeminha



Me deixa quietinha
Caixinha
Presente de não abrir

Coração embrulhado
Com todo o cuidado
Em plástico-bolha
Pra não se ferir

Tampinha fechada
Alegria guardada
Pro que há de vir

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Um mês, uns meses e um dia

E ontem fez um mês. Se fosse um bebê, ainda não falaria. Se fosse um emprego, estaria recebendo o primeiro salário. Se fosse de espera, seria muito. Se fosse de vida, seria pouco. O que dizer de um relacionamento? 

Um relacionamento não começa num belo dia, como um nascimento ou o primeiro dia no trabalho. E os meses atrás desse mês? Na verdade há muito mais. Na verdade foi quase o ano inteiro. Acho que foi desde abril, mais ou menos. Ainda nem era nada, mas acontece que eu sempre soube. Sabe aquela certeza? Então. Essa mesma certeza que quando tudo desandou me fez voltar e insistir mais um pouquinho, e dar outra chance, e dar mais um passo. Logo eu que não sou de voltar atrás.

Junte todos os conselhos e opiniões boas e más: minha certeza é maior do que tudo isso. Se vocês pudessem sentir por mim iam entender. E mesmo que alguns conselhos estejam certos e acabe tudo errado, eu já sou feliz e grata por ter sido tão feliz ao lado dele nesse um mês oficial e nos extra-oficiais também. Por cada segundo em que me senti tão bem.

Por cada dia em que acordei e quis dormir mais um pouquinho só pra ficar mais tempo deitada ali, sem pensar em nada, com ele, sendo feliz, em paz. A paz das conversas bobas, das tardes de risos infinitos, dos olhares, dos beijos a toda hora, do sentir que nada lá fora importa porque ali do meu lado eu tenho tudo o que eu preciso.

Essa paz não vem de qualquer pessoa, não da mais bonitinha, nem daquela bem-sucedida e boazinha que mora logo ali. É maior do que tudo isso. O que vem dele pra mim faz dele o melhor de todos. Então eu dei uma pausa na racionalidade e resolvi ser simplesmente feliz sem planejar muito; e isso significa estar triste tantas outras vezes.

Por mais que por vezes eu queira matar, enforcar (literalmente), encher de beijos ou pegar o próximo ônibus pra Niterói. Eu estou agindo pelos sentidos e seguindo uma certeza cega de que o melhor não é óbvio e arcando com as consequências de tudo o que isso implica. E enquanto compensar e a certeza estiver lá, eu farei todos os esforços do mundo.

E hoje faz mais um dia. Ou melhor: um mês, uns meses e um dia.
Escolhi pra ilustrar meu texto essa estátua imensa e impressionante de Lima, Peru, chamada "El Beso". Em todos os bancos e muros do parque, localizado no bairro de Miraflores (onde era meu hostel), há trechos de poesias de autores peruanos. De tirar o fôlego! 

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A escova e o esquecimento

Laura enfia na mochila algumas roupas amassadas. Pega a primeira blusa que vê pela frente, a calça jogada no sofá. Mais duas ou três peças de roupa. É, deve dar. Enquanto arruma o microcosmos de caos que levará nas costas pelos próximos dias, meio que anestesiada, inicia consigo mesma um diálogo mental, procurando se convencer do necessário.

- Medo de sofrer? Pra quê?! Eu tenho a capacidade de me reerguer e começar de novo. E como tenho! Sei ligar e desligar o botão do sentir quando me convém. Sei usar o narcótico natural do distanciamento, do sumir pra qualquer lugar pra me encontrar de novo, renovada. Eu sei esquecer.

Enquanto tenta acreditar no que diz e repete a si mesma, Laura procura a escova. Revira a montanha de roupas emboladas no armário, os livros pelo chão. Sabia que devia ter arrumado o quarto antes. Mas se perdoa logo em seguida sabendo que não tivera forças; que nos últimos dias fora assaltada pelo desespero, e vê que tivera trabalho demais tentando se manter sã e respirando pra tentar arrumar qualquer coisa do lado de fora dela mesma.

Pensa no trabalho que dá pegar o caminho errado. Às vezes seria preciso ter a humildade de reconhecer que, por mais que ela almeje, certas coisas não são para ela. Grandes riscos, montanhas-russas emocionais, coisas meia-boca, decisões meio-acertadas, longas pausas de silêncio; não, nada disso era para Laura. Ela se irrita com a falta de juízo e de escova.

Tateando atrás da pilha de livros ela acha fotos antigas. Aquelas pessoas, aqueles momentos trazem lembranças mal-vindas do tanto de estrada que ela já havia percorrido. E muita lembrança cansa, enjoa. Laura percebe então que já havia tido experiências demais, e com isso acabou por desenvolver a felicidade ou a infelicidade de prever. 

Constata então que não se trata mais de medo, mas de preguiça. Já tinha vivido coisas demais para o seu gosto; queria apagar metade daquelas memórias. Repeti-las seria viver duas vezes, e uma vida só já é coisa demais.

Tantas experiências repletas de inutilidade! Tanto e tão pouco. Montanhas de migalhas aglomeradas, e migalhas são para ratos. Como pode o ideal de felicidade ser maior que a felicidade em si? A velha fábula da felicidade que é contada e recontada milhões de vezes e envolve a realidade em névoa.

Laura decide então esquecer as fábulas. Esquecer todas as coisas inúteis. Deixar a tela branca tomar conta. Olha para o seu próprio rosto refletido no espelho e brinca, apática, de não saber quem ela é. Olha seus traços como se nunca antes os tivesse notado, e sente estranheza. Percebe que, se tinha permanecido jovem, não fora por milagre ou resistência, mas sim pela enorme capacidade que tinha de esquecer. Que o riso leve das crianças é fruto das poucas memórias que carregam.

Lembra-se então, de repente, de quando havia visto a escova pela última vez. Vai até o banheiro e depara-se com ela onde sempre estivera e deveria estar: em cima da pia. É, deve ser preciso esquecer do caos para se lembrar do óbvio, pensa, rindo para si mesma.

Joga a escova na mochila, coloca a mochila nas costas e dá as costas para o seu quarto. Um quarto de hora e está na estrada. É uma nova jornada começando. Ela está quase leve, leva pouco peso nos ombros e promete observar as placas com atenção. E repete para si mesma mais uma vez, para lembrar: eu sei esquecer.

The Persistence of Memory by Salvador Dali


sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Confesso!


“Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais.”*

Vi o post “Confesso” no blog da Nivea Sorensen, cheio de ideias legais, e me inspirei mais uma vez. Tenho muitas “confissões” pra fazer, mas selecionei 10 bem leves e dizíveis, mas não menos pessoais e esquisitas. Nesse mundo tão massificado, acho interessante revelar, mesmo sendo a mais banal das besteiras, aquilo que possivelmente te torna um ser único em meio a essa multidão.


#1. Às vezes eu chamo as pessoas puramente pelo prazer de chamá-las. Por uma inquietação em mim, sei lá. E como não tenho nada pra falar, quando elas respondem invento rapidinho um assunto, que quase sempre convence. Mas haja agilidade na criatividade pra não ser desmascarada! Tá, acabou meu segredo agora. ¬¬

#2. Essa quem me conhece bem, sabe: quando eu penso em algo ruim, que pode ser algo costrangedor que eu tenha feito ou simplesmente algo que poderia dar errado, falo “eu quero ir embora” ou “quero ir pra casa”. Não tem um único dia em que eu não repita isso algumas vezes. Com o tempo a frase passou a ser traduzida pro alemão e respondida pelo meu então namorado com um “A sua casa é aqui.” Há, ele estava errado.

#3. Odeio falar no telefone, não sei o que dizer ao telefone, acho um saco barulho de telefone. Atender ligações de seja-quem-estiver-do-outro-lado-da-linha é algo que me irrita e me deixa ansiosa pra desligar logo. Portanto não me ligue, deixe mensagem no Facebook. :)

#4. Durmo há uns 4 anos com meu ursinho ecologicamente incorreto comprado na Bolívia, o Lhamito. Ele é feito de couro de alpaca (pobre alpaca!) e por isso é 100% fofura. Love it anyway! <3 Ah, eu já arranquei uma orelha dele no desespero de um voo, mas esta já foi devidamente costurada no lugar. 

#5. Quando morava na Alemanha, acompanhava todos os reality shows de casting possíveis e imagináveis: Germany’s Next Topmodel, America’s Next Topmodel, Popstars!, DSDS e por que não aqueles bem nasty da MTV tipo Jersey Shore. O vício começou simplesmente porque esses eram os únicos programas que eu entendia por serem em inglês, e a legenda em alemão de quebra me ajudava a aprender esse idioma muito louco. Depois virou sem-vergonhice mesmo.

#6. Adoro sair all by myseeeeelf e muitas vezes dispenso a companhia das pessoas porque acho mais graça em fazer as coisas exatamente do jeito que eu quero, ou seja, sozinha. Não sou daquelas pessoas que precisam de companhia pra tudo, muito pelo contrário; sou uma boa amiga de mim mesma. Mas confesso que na Alemanha fazer coisas sozinha virou rotina e ficou chato, muito chato.

#7. Poderia descrever o melhor sentimento de liberdade do mundo como aquele de estar na estrada, olhar a paisagem passando pela janela e pensar em nada. Só na estrada eu me sinto em casa.

#8. Poderia comer cheese nachos, daqueles só com queijo, salsa e guacamole, todos os dias da minha vida. E pra acompanhar um bom mojito. A gente não é gorda à toa, viu?

#9. Sou espírita mas não tenho paciência pra deixar nada pra outra vida. Sinto saudades doloridas de pessoas e nunca ficarei de bem com o destino até que ele nos una de novo na mesma existência.

#10. Minha vida é e sempre foi repleta de eventos sobrenaturais, premonições, visões e milagres. Não sou a única, eu sei, mas é engraçado que na Europa eu nunca encontrei uma só pessoa com o mesmo histórico que eu, enquanto no Brasil isso é relativamente frequente. Concluo que aqui as pessoas são mais sensitivas. Mas isso não é um segredo só meu.


Dica do dia: confesse pra alguém quem você é. Esse alguém pode nem sonhar que conhece uma pessoa tão peculiar e interessante quanto você.

Lhamito, fofo, peculiar e interessante que só ele!
* Adivinha o autor, vai. Começa com H. No 3! ;)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A conta-gotas

Alegria a conta-gotas é melhor do que alegria nenhuma, certo? E foi olhando pela janela que hoje ela me assaltou: ela, que tão parca nos dias anteriores, hoje transbordou do meu peito e me trouxe de volta à vida. Ela, que andava tão pouca, hoje se fez presente. Sublime.

“Mesmo a mais infeliz das existências tem os seus momentos luminosos e suas pequenas flores de ventura a brotar entre a areia e as pedras.”*

Chego em casa tarde da noite, sento em frente ao computador, mordo uma barrinha de cereal insossa e penso na minha resolução de ano velho: lutar pela minha felicidade, doa a quem doer. Não vou deixá-la escapar dessa vez. E para isso, 7 regrinhas mágicas:

Regra nº 1: Não depositar minha alegria na mão de uma só coisa/pessoa, mas espalhá-la por aí. Um pouquinho em cada canto, pra quando eu perdê-la ser mais fácil de achar. Supresa escondida sabe-se bem onde.

Regra nº 2: Pensar menos, viver mais. Por mais que a bendita intuição diga o contrário, esperar e deixar as coisas acontecerem. Paciência, menina!

Regra nº 3: Confiar mais em Deus. No final chego sempre à conclusão de que a vida se encarregou do melhor caminho, mesmo enquanto eu sofria loucamente por antecipação ou achava saber o caminho certo. Besteira. O rio sempre segue o seu curso. O que tiver que ser, que seja! 

Regra nº 4: Amar mais as pessoas, incondicionalmente. A atendente impaciente, o guarda mal-educado, a mãe num dia ruim. Retribuir todas as grosserias com um grito de 90 decibéis muita gentileza e interferir no ciclo dos maus tratos positivamente.

Regra nº 5: Meditar mais. Parar, respirar fundo e pensar em nada, mesmo no meio da tempestade. Escapar e voltar revigorada. Re-voltar, enfim, sempre que necessário.

Regra nº 6: Usar as roupas estranhas e a maquiagem maluca que eu tenho vontade. Parece bobagem, mas essa regra é tão importante quanto as outras cinco e sozinha costuma me deixar bem feliz.

Regra nº 7: Guardar as seis regrinhas anteriores no bolso e tirá-las sempre que preciso. Sempre. Há de ser um desses mistérios da vida que se tenha que repetir o óbvio mil vezes para que ele não seja esquecido.

Amanhã vou procurar um canto remoto do planeta, me isolar e procurar me reconciliar com a vida. Sem computador, sem telefone. Usarei uma roupa maluca e uma maquiagem pior ainda. Apenas eu e uma paisagem, em silêncio, em paz. E a gente vai se bastar. Ah, vai!


*trecho de "O Lobo da Estepe", Hermann Hesse.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Venezas de merda

É, perdi o sono mais uma vez. Mas já que não teve jeito fui fazer algo produtivo e ler, e acabei achando esse trecho grifado num dos livros da minha fantástica coleção kunderística:

"As privadas dos banheiros modernos se erguem do chão como a flor branca do nenúfar. O arquiteto faz o impossível para que o corpo esqueça sua miséria e para que o homem ignore o que acontece com os dejetos de suas entranhas quando a água da descarga os expulsa gorgolejando cano abaixo. Os canos dos esgotos, ainda que seus tentáculos cheguem até nossos apartamentos, são cuidadosamente escondidos de nossos olhares e nada sabemos acerca dessas invisíveis Venezas de merda sobre as quais estão construídos nossos banheiros, nossos quartos de dormir, nossos salões de festas e nossos parlamentos."

Milan Kundera - A insustentável leveza do ser.

Às vezes paro pra pensar no engenhoso sistema de esgotos que “embeleza” as nossas cidades e pra variar não tenho como não deixar meu pensamento ir além. Posso ser pessimista hoje? Então tá.

Penso na hipocrisia da nossa sociedade que esconde a Veneza de merda das suas mentes e faz um esforço descomunal pra viver uma vida de aparências bem bonita, correta e heróica. Todos expondo felizes suas privadas pensantes. Não canso de estranhar, de não fazer parte, de não entender o modo como as coisas funcionam. Dizer a verdade é uma vergonha. Ser humano é ridículo. Estar triste é absurdo. Sentir dor é sinal de fraqueza. Desrespeito é sinal de poder. Pra mim os canos dos esgotos estão expostos por todos os lados.

Não, eu não me sinto melhor do que ninguém. Feliz é quem não se incomoda e se sente parte dessa família universal dos "bons modos". Já eu me sinto vivendo uma piada contada mil vezes. No início tinha até graça, mas e agora? Está cada vez mais difícil dar o sorrisinho amarelo nosso de cada dia. Eu tinha sonhos normais, via graça e até gostava de pertencer a tudo isso. Acreditava nos mais velhos quando diziam que esse era o único caminho. Em que momento eu deixei de fazer parte? Eu não sei dizer. Minha tela cresceu e não cabe mais nessa moldura. Talvez acabe indo por água abaixo. Ou todos nós. Talvez o grande arquiteto puxe a descarga a qualquer momento.

Não sei pra que lado fugir. Sigo o rebanho ou fico à margem? Aceito sugestões.

A flor de nenúfar. Fiquei curiosa e fui procurar.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Viagem e autoconhecimento



Poucos prazeres se comparam ao de viajar, conhecer lugares e pessoas, aprender novas línguas, ouvir as variadas músicas das cidades e florestas, sentir os sabores e cheiros de cada lugar, descobrir vários mundos dentro do próprio mundo.

Nada mais engrandecedor do que carregar essas lembranças todas para sempre, tecer seu mundo interior com milhares de paisagens, seres e cores novas e se tornar assim um novo eu. Não há nada mais revelador do que estar na estrada, por vezes sozinho, com fome e frio, perdido, cansado, e chegar assim bem perto de quem você é, dos seus limites, medos e anseios.

É no final descobrir que sair pelo mundo é uma viagem mais interna do que externa. É aproximar-se mais de si próprio, de desvendar esse milagre que é estar vivo e ser quem você é, esse ser único e singular. É ver-se pequeno e ao mesmo tempo gigante no meio do mundo e descobrir-se parte ativa e integrante dele.

É nascer de novo e reaprender a enxergar. É enriquecer os sentidos. Experimentar coisas do seu jeito, ver com os próprios olhos e tocar com as próprias mãos, ser personagem de histórias únicas e incríveis que no final farão parte de você por toda a sua vida.

Selecionei alguns trechos de Sidarta onde Hermann Hesse descreve lindamente o processo de autoconhecimento e de reaprender a ver o mundo.

"Caminhando cada vez mais devagar, absorvido pelos pensamentos, Sidarta perguntou-se a si mesmo: “Mas que desejaste aprender dos teus mestres e extrair dos seus preceitos? Que será aquilo que eles, que tanto te ensinaram, não conseguiram propiciar-te?” E ele encontrou a resposta: “Era meu desejo conhecer o sentido e a essência do eu, para desprender-me dele e para superá-lo: Porém não pude superá-lo. Apenas logrei iludi-lo. Consegui, sim, fugir dele e furtar-me às suas vistas. Realmente, nada neste mundo preocupou-me tanto quanto esse eu, esse mistério de estar vivo, de ser um indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os demais, de ser Sidarta!
E de coisa alguma sei menos do que sei quanto a mim, Sidarta!”"

"Olhou o mundo a seu redor, como se o enxergasse pela primeira vez. Belo, era o mundo! Era variado, era surpreendente e enigmático! Lá, o azul; acolá, o amarelo! O céu a flutuar e o rio a correr, o mato a eriçar-se e a serra também! Tudo lindo, tudo misterioso e mágico! E no centro de tudo isso achava-se ele, Sidarta, a caminho de si próprio."

"O sentido e a essência não se encontravam em algum lugar atrás das coisas, senão em seu interior, no íntimo de todas elas."

Procurando ruínas incas no Peru