domingo, 7 de outubro de 2012

Manual da malandragem literária




Dicas para os citadores de redes sociais pelo menos fingirem que leram


A preguiça de ler está aí, é uma triste realidade e se eu quiser evitar um diálogo com quem não lê vou ter que passar a viver numa semi-Sibéria intelectual, fato. Muitos não-leitores que querem parecer conhecedores de determinado livro ou autor buscam como atalho as citações - se limitam a conhecer os grandes da música e literatura nesses tempos de Facebook através do combo foto bonitinha + citação do suposto autor, como se um punhado de frases pudesse resumir a obra de alguém. Com o fenômeno, aposto que tem muito gênio da literatura se revirando no caixão por aí, sendo julgado como isso ou aquilo por uma meia dúzia de frases selecionadas de suas obras - ou não.


Caio Fernando Abreu, rei das citações de Facebook, #chatiado [sic] porque 2/3 das citações atribuídas a ele não são de sua autoria, segundo reportagem do Diário Pernambucano.

Milan Kundera já havia observado que a literatura estava sendo substituída por um punhado de frases de efeito - e isso há décadas atrás. Nesses tempos de preguiça generalizada evoluída (principalmente no pensar) o fast food literário está mais do que em voga. Muitos opinam sobre este ou aquele autor ou o elegem como favorito tendo apenas como referência um punhado de citações de livros que nunca leram, e que nem ao certo sabem se a suposta autoria procede. [Isso quem se preocupa o mínimo em passar uma imagem de intelectualidade, porque nesses tempos de tanto faz, até escrever errado está sendo aceito e tido como inquestionável por uns e outros]. 

Pois bem. Peregrinando pela internet, achei uma matéria no mínimo interessante da Revista Veja de abril de 2008 (pseudointelectuais are gonna hate) sobre o livro Como Falar dos Livros que Não Lemos? do psicanalista francês Pierre Bayard. A matéria Manual da malandragem literária comenta o livro que ensina quem leu um livro pela metade, pulou páginas ou até nunca o leu, e por que não quem só leu uma citaçãozinha ou outra, a tecer comentários e se passar por um exímio leitor.


A arte de não ler


Preguiça à parte, a matéria da Veja toca num ponto importante: nesse oceano literário, o que vale a pena ler afinal? Não temos tempo de vida hábil para ler todas as publicações do mundo, e entre tudo o que existe convenhamos que há muita porcaria. Um trecho de Livros e Leitura do Schopenhauer é citado: 

"Para ler o bom, uma condição é não ler o ruim: porque a vida é curta, e o tempo e a energia, escassos"

Seria o outro lado da moeda. Já que não se pode ler tudo, acabamos juntando quando necessário o pouco de informações que temos ou confiamos na opinião de quem já leu quando questionados sobre esse ou aquele livro/autor que até gostaríamos de ter lido, mas que não teve como até então. Acho que não vamos para o inferno por isso. Quem nunca? Através de citações e resenhas, podemos também avaliar a qualidade do que vamos decidir ler - o que não é 100%, convenhamos, mas muitas vezes ajuda.

Confira uma parte dela, e, para os menos preguiçosos mais interessados, a matéria na íntegra através do link. Ou seja, leia-a para aprender a comentar o que não leu (que ironia) com um mínimo de embasamento. No mínimo engraçado.


sábado, 6 de outubro de 2012

Simbologia e loucura


"As figuras simbólicas facilmente se tornam silhuetas de pesadelo. Disso é testemunha essa velha imagem da sabedoria, tão freqüentemente traduzida, nas gravuras alemãs, por um pássaro de pescoço comprido cujos pensamentos, ao se elevarem lentamente do coração à cabeça, tem tempo para serem pesados e refletidos; símbolo cujos valores se entorpecem por serem demasiado acentuados: o longo caminho de reflexão torna-se, na imagem, o alambique de um saber sutil, instrumento que destila as quintessências. O pescoço do Gutemensch alonga-se indefinidamente a fim de melhor configurar, além da sabedoria, todas as mediações reais do saber; e o homem simbólico torna-se um pássaro fantástico cujo pescoço desmesurado se dobra mil vezes sobre si mesmo — ser insensato, a meio caminho entre o animal e a coisa, mais próximo dos prestígios próprios à imagem que do rigor de um sentido. Esta sabedoria simbólica é prisioneira das loucuras do sonho."

Foucault, História da Loucura na Idade Clássica (1964).

Livrão!! Como diria Guimarães Rosa (referindo-se a sua própria obra), é uma "literatura para bois": não é feito para cavalos, que comem apressadamente, mas para bois, os quais engolem, regurgitam, mastigam devagar e só engolem de vez quanto tudo está bem ruminado. Só assim a comida é digerida e irá por fim fecundar a terra. 


Tukkiki Manomee, Long necked bird

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O que o amor quer

[O que o amor quer é me deixar de joelhos. É me deixar doente. É me fazer acreditar de novo para eu me entregar novamente. Quer golpear minhas pernas, me fazer despencar, me deixar sangrar, mas me manter viva. Ele me quer à deriva. Quer me fazer esperar, quer ter do que rir. Quer cortar meus tendões e me fazer cair, mais baixo que o chão, mais baixo que tudo. Quer que eu vá à luta sem escudo, sem espada. O amor quer é que eu dê tudo em troca de nada. O amor quer é me ferir na batalha. O amor quer é meu reino sem muralha. Ele quer em pleno voo cortar minha asa, quer desgraça. O amor quer que eu saia de casa para me apedrejar no meio da praça. Ele quer é me operar sem anestesia, quer que eu pule na piscina vazia. Quer que eu siga com meus próprios pés rumo ao sacrifício. Ele quer é que eu pule do precipício. Quanto tempo mais eu terei que pagar por isso?]

Ana, Aron Wiesenfield
In my place, in my place
Were lines that I couldn't change
I was lost, oh yeah 

I was lost, I was lost
Crossed lines I shouldn't have crossed
I was lost, oh yeah 

Yeah how long must you wait for it?
Yeah how long must you pay for it?
Yeah how long must you wait for it?

Oh for it

Coldplay / In my place