domingo, 18 de novembro de 2012

Que os velhos mortos cedam lugar aos novos mortos



"O dia começara mal para ela. Seu marido (havia vinte e cinco anos tinham vivido ali durante algum tempo - eram, na época, recém-casados -, mas depois tinham se instalado em Praga, onde ele morrera fazia dez anos) estava enterrado no cemitério dessa cidadezinha, conforme um estranho pedido que expressara em suas últimas vontades. Ela adquirira então uma concessão por dez anos, e constatara havia alguns dias que o prazo tinha expirado e que se esquecera de renová-la. [...]

Embora conhecesse de cor o caminho que conduzia ao túmulo do marido, naquele dia pensou estar vendo o cemitério pela primeira vez. Não conseguia encontrar a sepultura, e achou que não sabia onde estava. Afinal compreendeu: onde ficava antigamente o monumento de arenito com o nome querido de seu marido, erguia-se agora (teve a certeza de reconhecer o lugar pelas duas sepulturas vizinhas) um monumento de mármore preto cujo nome, em letras douradas, lhe era absolutamente desconhecido.

Irritada, dirigiu-se à administração do cemitério. Lá foi informada que as sepulturas eram automaticamente retomadas com o término das concessões. Reclamou por não ter sido avisada da necessidade de renovar a concessão, mas explicaram-lhe que havia pouco lugar no cemitério e que os velhos mortos deviam ceder lugar aos novos mortos."


Trecho de
Risíveis Amores, Milan Kundera.

Pra não quebrar a tradição.

Cemitério Judeu em Praga
Fonte:
architecture.about.com