terça-feira, 18 de agosto de 2015

"- (...) Mas que tem contra a felicidade que encontrou agora, com Maria? Por que não está contente?
– Não tenho nada contra essa felicidade. Oh, não! Gosto de Maria. Estou satisfeito com ela. É maravilhosa como um dia de sol em meio a um verão chuvoso. Mas sinto que isso não pode durar. Além do mais, trata-se de uma felicidade infrutífera. Dá satisfação, mas a satisfação não é alimento para mim. Faz adormecer o lobo da estepe, torna-o dócil. Mas não é uma felicidade pela qual se possa morrer.
– Mas é preciso morrer por alguma coisa, Lobo da Estepe?
– Creio que sim! Minha felicidade enche-me de contentamento e posso suportá-la ainda por algum tempo. Mas quando a felicidade me permite um pouco de reflexão, aí meu desejo não é de mantê-la para sempre, mas antes voltar a sofrer, só que de maneira mais bela e menos lamentável do que antes."



Comprei um girassol pro meu quarto sem luz.


Estava indo para casa tão chateada, tão cheia de tudo, mentalmente sugada. Eis que, sem pensar muito, juntei o fiozinho de força que me restava para sair do trajeto do piloto automático casa-trabalho-casa, entrei numa barraquinha de flores e comprei um girassol. Não foi difícil escolher entre os três disponíveis: esse era o mais viçoso, belo como uma pintura. Senti-me por um momento como a Doida do Miosótis, levando para casa aquele vaso nas mãos, como que procurando me defender de toda a feiura do mundo com aquele que seria um dos últimos traços de beleza ao meu alcance. Um carro parou enquanto eu atravessava a rua - deve ter imaginado o quão estranho seria atropelar uma moça triste com um vaso nas mãos, encimado por uma única flor, um girassol - eu precisava de um pouco mais que um miosótis para compensar tamanho desgosto - seria como matar toda a poesia do mundo.

Chegando em casa, carregando aquele vaso nos braços como uma criança, dei-me conta de que não batia sol no meu apartamento. Viveria um girassol com luz de lâmpada e vento de ventilador? Não soube responder. Coloquei-o então no quarto, perto da janela, para receber o resquício de ar puro que a persiana deixaria, relutante, passar. Por quanto tempo mais ele se manteria forte e gracioso como hoje?

Percebi então que aquele girassol era uma metáfora da minha vida neste lugar. Respiro um ar que parece puro, bebo uma água que parece limpa, sou iluminada boa parte do meu dia por um sol fluorescente que cabe dentro de uma cúpula de vidro. As abelhas não me visitam com a frequência que eu gostaria. E nada disso é o que eu realmente preciso. Estou definhando e exibindo, no lugar das pétalas viçosas de outrora, sem orgulho algum, minhas taquicardias, meus pequenos desmaios e minha respiração ofegante. Na sala fechada, sigo claustrofóbica e me intoxico a cada dia mais pelo gás carbônico que eu mesma exalo.


Mas no fundo eu me sinto amada, por isso em nenhum momento desorientada. Sinto-me feliz por estar conversando comigo mesma nesse quarto, iluminada pela beleza efêmera desse girassol que eu confinei comigo, ouvindo Damien Rice e entendendo finalmente suas letras. [Se nosso sofrimento nos servir ao menos para entender as letras das músicas, não será de todo em vão] “I give my gun away when it’s loaded”. O primeiro passo é identificar o que faz mal. E aos pouquinhos vou me livrando dessa imitação de realidade, tirando as ervas daninhas, uma por uma, dia após dia. "This has got to die / This has got to stop." Que o girassol aprenda que o sol é ele mesmo. 

“You can’t make me happy quite as good as me.”