Estava indo para casa tão
chateada, tão cheia de tudo, mentalmente sugada. Eis que,
sem pensar muito, juntei o fiozinho de força que me restava para sair do trajeto
do piloto automático casa-trabalho-casa, entrei numa barraquinha de flores e
comprei um girassol. Não foi difícil escolher entre os três disponíveis: esse
era o mais viçoso, belo como uma pintura. Senti-me por um momento como a Doida
do Miosótis, levando para casa aquele vaso nas mãos, como que procurando me
defender de toda a feiura do mundo com aquele que seria um dos últimos traços
de beleza ao meu alcance. Um carro parou enquanto eu atravessava a rua - deve
ter imaginado o quão estranho seria atropelar uma moça triste com um vaso nas
mãos, encimado por uma única flor, um girassol - eu precisava de um pouco mais que um miosótis para compensar tamanho desgosto - seria como matar toda a poesia
do mundo.
Chegando em casa, carregando aquele
vaso nos braços como uma criança, dei-me conta de que
não batia sol no meu apartamento. Viveria um girassol com luz de lâmpada e
vento de ventilador? Não soube responder. Coloquei-o então no quarto, perto da
janela, para receber o resquício de ar puro que a persiana deixaria, relutante,
passar. Por quanto tempo mais ele se manteria forte e gracioso como hoje?
Percebi então que aquele girassol
era uma metáfora da minha vida neste lugar. Respiro um ar que parece puro, bebo
uma água que parece limpa, sou iluminada boa parte do meu dia por um sol
fluorescente que cabe dentro de uma cúpula de vidro. As abelhas não me visitam
com a frequência que eu gostaria. E nada disso é o que eu realmente preciso. Estou
definhando e exibindo, no lugar das pétalas viçosas de outrora, sem orgulho algum, minhas taquicardias,
meus pequenos desmaios e minha respiração ofegante. Na sala fechada, sigo claustrofóbica
e me intoxico a cada dia mais pelo gás carbônico que eu mesma exalo.
Mas no fundo eu me sinto amada,
por isso em nenhum momento desorientada. Sinto-me feliz por estar conversando
comigo mesma nesse quarto, iluminada pela beleza efêmera desse girassol que eu
confinei comigo, ouvindo Damien Rice e entendendo finalmente suas letras. [Se nosso sofrimento nos servir ao menos para entender as letras das músicas, não será de todo em vão] “I give my gun away when it’s loaded”.
O primeiro passo é identificar o que faz mal. E aos pouquinhos vou me
livrando dessa imitação de realidade, tirando as ervas daninhas, uma por uma,
dia após dia. "This has got to die / This has got to stop." Que o girassol aprenda que o sol é ele mesmo.
“You can’t make me happy quite as good as me.”
engraçado... esse tal de girassol parece mesmo salvar! curioso... eu me vejo, às vezes, quase sempre, na mesma metáfora. a música é diferente, mas no final das contas... as letras significam o mesmo. diabo de vida que aperta e estica, que exige e cobra, que me faz querer vivê-la cada vez mais!!! paradoxo! do girassol, ainda espero o meu. enquanto isso, vou lendo aqui e ouvindo acolá! força e fé sempre pelo caminho!
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