Desde pequena eu já sabia que a minha vida seria na estrada. Mapas, globos terrestres e documentários sobre aqui e ali sempre me fascinaram. Enquanto as meninas da minha idade se apaixonavam por um artista, eu costumava me apaixonar por um país. Colecionava fotos, informações e contava tanto sobre esse determinado lugar que as outras pessoas acabavam se apaixonando também por ele. Depois comecei a me apaixonar por bandas também, mas a questão geográfica delas era pra mim tão forte quanto a própria música.
Daí eu cresci e comecei a por em prática meu ideal de conhecer o mundo. Só que meu grande obstáculo era viajar de avião, pois além do medo de altura (ou melhor, do medo do chão mesmo naquela altura) sempre fico com a impressão de estar perdendo um pedaço enorme de terra e de mar pelos quais seria muito mais interessante ir passando devagarinho, parando e conhecendo. Então avião pra mim é um combo de pavor e desperdício que eu prefiro evitar.
Acontece que o tempo e a distância costumam nos levar a “caminhar” pelo ar, pois infelizmente não é possível atravessar um oceano de jet ski, como o google nos sugere. E agora que vou começar a trabalhar offshore vai fazer parte da minha rotina viajar de helicóptero pra cima e pra baixo, o que a princípio me parece fascinante e ao mesmo tempo aterrorizante.
Apesar dos helicópteros e afins, acho por enquanto que será perfeito ficar longe da humanidade (ou boa parte dela), num “mundo distante” por 14 dias, e nos outros 14 dias ter tempo livre suficiente pra fazer o que eu mais amo: viajar! Mas acho que o maior desafio da profissão não vai ser viajar 1 hora de jet ski helicóptero até a plataforma, mas o lado psicológico, esse lobo que eu tenho que domar diariamente, o que me parece tarefa mais difícil ainda num ambiente de confinamento. Tenho certeza de que meu time de super-heróis vai me dar todo o suporte, mas acho que a briga maior vai ser comigo mesma.
Enfim, só vou saber quando cruzar essa ponte. Quero ser caminho, não estrada, e parar a cada passo pra admirar a beleza dos dias, um de cada vez, sem pensar muito no que virá ou deixará de vir. Ver a vida como caminho e não como estrada é entender que não há um destino a alcançar: o destino é o próprio caminhar. Milan Kundera em “A Imortalidade” compara a questão dos caminhos a da própria vida humana:
Antes ainda de desaparecerem da paisagem, os caminhos desapareceram da alma humana: o homem já não sente o desejo de caminhar e de extrair disso um prazer. E também a sua vida ele já não vê como um caminho, mas como uma estrada: como uma linha conduzindo de uma etapa à seguinte, do posto de capitão ao posto de general, do estatuto de esposa ao estatuto de viúva. O tempo de viver reduziu-se a um simples obstáculo que é preciso ultrapassar a uma velocidade sempre crescente.
No mundo das estradas, uma bela paisagem significa: uma pequena ilha de beleza, ligada por um longo caminho a outras pequenas ilhas de beleza.
No mundo dos caminhos, a beleza é contínua e sempre variada; a cada passo ela nos diz “Pare!”
No mundo das estradas, uma bela paisagem significa: uma pequena ilha de beleza, ligada por um longo caminho a outras pequenas ilhas de beleza.
No mundo dos caminhos, a beleza é contínua e sempre variada; a cada passo ela nos diz “Pare!”