[Quero dizer que esse é um evento mais do que superado (com orgulho). Aprendi que reconhecer a própria dor na dor alheia tem uma função quase anestésica e ajuda muito na recuperação. Que seja postado, então, para que quem precise se identifique e saiba que, por mais que doa, há saída.
E por mais que minha exposição possa ser usada contra mim (oi, bêbada), eu não me importo. É mais fácil fingir ser forte, radiante, feliz. Eu não sou nada disso, não o tempo todo. Na verdade ninguém é, no mínimo engana bem. Regozija-se com a verdade, que sou alguém com altos e baixos, que tenho a honra de expor a minha verdade, goste alguém dela ou não.
Que seja útil.]
Estou fazendo como a Martha
Medeiros em Fora de Mim e escrevendo sobre essa perda. Isso a ajudou, pode ser
que me ajude também. Eu que tenho tentado de tudo, da medicina ao curandeirismo,
não poderia perder essa oportunidade.
Ontem fez uma semana que a gente
se separou. Não sei se posso dizer que a dor é a mesma. Na verdade, sinto que
ela evoluiu para algo mais agudo, mais profundo, como um tumor maligno que se
espalha para outros órgãos. Pergunto-me até quando. Eu não sei o que fazer
contra essa dor. Não há aspirina, não há analgésico, no máximo um calmante e uma
Mariana abobalhada e sonolenta pelo dia afora. Não acho que a minha família
entenda, escondo deles o que eu sinto para ninguém sofrer por tabela. Meus amigos
tem uma vaga ideia. Mas a minha dor, essa é pessoal e intransferível e tem me
acompanhado como uma herança descabida, como uma cabeça de alce deixada por um
parente, que não combina com a sala, não combina com os móveis, não combina com
nada; apenas está ali, tomando espaço e enfeiando o ambiente.
Ontem tentei sair com uma pessoa
pela primeira vez. Não haveria algo – avisei com antecedência – e lá fomos nós conversar.
Depois de você, minha vida tem sido uma sucessão de eventos malsucedidos. Um
espetáculo circense de mau-gosto, pecando pelo sarcasmo, com a vida na plateia
a se escangalhar de rir de minhas tentativas em vão de juntar os caquinhos. Passeamos
– distantes, obviamente – e vi algumas das suas ex-namoradas e casos, ou
sabe-se lá como você as chamou. Todas me escrutinam, reparam no meu vestido,
observam de longe como eu vago sozinha e eu por um instante penso que a minha
dor é visível e quero sair dali. Sinto-me na posição de um ladrão que tem sua
cabeça exposta em praça pública; eu sei que me olham como quem diz “bem-feito”,
mas ainda assim eu sinto uma certa compaixão por aquelas mulheres. Sei que
todas elas também sofreram por você e mesmo que involuntariamente formamos um
exército que compartilha das mesmas cicatrizes de guerra.
Saímos dali. Conversamos sobre
como é torturante estar totalmente apegado emocionalmente a alguém mau e
indiferente, sem citar nomes. As lembranças vem poucas, doloridas e mancas, e
aos poucos tomam força e os eventos começam a fazer sentido, como um quadro de
Monet olhado de longe; andei por um bom tempo com a cara colada no quadro. Constatei,
não sem uma dose severa de vergonha, como você se aproveitou de mim e me afetou.
O palhaço que eu enceno cai da cadeira e quebra uma perna nesse momento. A
plateia se contorce de rir.
Chego em casa e sonho que eu
estou com a tal pessoa, o coadjuvante do palhaço. É estranho, é dolorido, mas de
repente ele se transforma em você e uma sensação de alívio e prazer toma conta
de mim, mas eu mal posso aproveitá-la pois a sua imagem logo se esvai e se
transforma nele de novo. Acordo sem ar, coração disparado. Você foi um idiota,
culpado disso ou não pela inexperiência, e eu não sei onde minha saudade
encontra forças para se justificar, mas ela está ali, onipresente, onilatente e
onidolorida – palavras que ainda não foram inventadas mas que encontram aqui a
perfeita oportunidade para passar a existir.
Tento entender como isso
funciona. A pessoa acha uma outra bonita, avalia suas qualidades como um
empregador avalia um currículo: hum, vamos ver: fala línguas estrangeiras,
viajou, estudou em tal lugar. Boa foto. Resolve
que vale a pena investir. Entra na sua vida, explora-a da forma burra como sabe e a
devasta. Acha uma outra pessoa, aparentemente mais bonita e interessante que a primeira;
o perfil dessa já não se encaixa mais à vaga, sentimos muito. Assim, a
primeira é demitida e jogada na rua para que ache um novo emprego. Nova
experiência agregada ao currículo: alguns meses na empresa Indiferença, com
raras folgas e fins de semana.
"Isso a fez compreender que os olhares eram fardos insuportáveis, beijos de vampiros; que fora o estilete dos olhares que gravara as rugas em seu rosto."
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