segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Tempo de sombra e assombrações

— O amor não deve pedir — continuou — nem tampouco exigir. Há de ter a força de chegar em si mesmo à certeza e então passa a atrair em vez de ser atraído. 

Trecho de Demian, do Hesse.

A chuva cai, fina, e parece que o céu inteiro se desprende em pequenas gotas e desaba sobre a minha cabeça. Partículas de água multiplicadas por medo de peso infinito. Os últimos dias vestiram-se de cinza e de dúvidas, de apelos e de sono, muito sono. Mas é preciso sair da inércia. Assombrada por um futuro muito próximo e novo, recém-nascido. E sem pena sou interpelada por vozes de fora para tomar decisões sobre o que para mim está na geladeira esfriando. Não há tempo nem espaço agora para nada disso. Atire facas no meu coração como num espetáculo circense; ainda assim não terei tempo. Me deixa sombra, e veremos depois o que sobra. Minha mente está em se vou conseguir dormir e levantar amanhã, se vou conseguir sobreviver sã (e somente sã) à próxima semana. Se a maré de novidades não vai me carregar para oceanos sombrios e distantes. Tormenta dentro de mim, para onde me levará? Permanecerei suspensa no ar? Ou vou desabar? Leis do amor, da sanidade e da física, tenham piedade de mim. 


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Ahhhhh, o Natal!


Passei uns dias em Niterói/Rio e pude participar mais uma vez em vida do espetáculo tragicômico que antecede o Natal. Milhares de pessoas desesperadas pra dar conta da lista de presentes. Aquela multidão insuportável nos shoppings. Crianças se jogando no chão e dando performances histéricas dignas de um Oscar. Pais à beira de um ataque de nervos. Vendedores mal-humorados from hell. E eu desnorteda, esbaforida, com sede, desesperada e perdida em meio às multidões, sem saber pra que lado eu deveria ir.

Mãe, pai, sobrinhos, namorado, amigos, tanta gente que eu queria presentear! O problema é que além do dinheiro curtíssimo, eu sou uma péssima escolhedora de presentes. Costumo dar de presente o que eu gostaria de ganhar, e bem, meu gosto não é lá muito parecido com o de ninguém que eu conheça. Ou então o dinheiro vai todo naquele presente fofinho que é a minha cara a cara do fulano e lá se vai o orçamento inteiro por água abaixo.

E eu me pergunto por que eu estou tão preocupada em presentear os outros se nem Natal eu vou ter esse ano. Passarei da forma mais estranha possível: num navio de produção e armazenamento de óleo no meio do oceano. Bom, antes no meio do oceano que do outro lado dele. Apesar do que era bem interessante viver um Natal de verdade, com neve e pinheirinhos naturais, que os alemães arrancavam diretamente das florestas para a festa e jogavam fora depois. Acho lamentável como o homem se utiliza da natureza como de um buffet de self service. Como se ela estivesse ali à disposição, com o dizer "tire o que quiser!". Aqui em Cabo Frio o prefeito explora é o dinheiro público mesmo e gasta milhões em árvores artificiais megalomaníacas. Acho uma grande sacanagem ecológico.

Voltando aos presentes, a vontade que eu tinha era de dar um bombom pra cada um, com o seguinte dizer:
Lembrei de você. Não posso comprar nada melhor. Desculpe a pobreza e a incompetência. Um Feliz Natal.
Bombom não, estão todos gordos (eu inclusive). O Papai Noel, então, nem se fala, que além de gordo ainda anda por aí meio pirado passeando pelos trópicos de gorro e bota. Humm, que tal então uma folha de alface bem verdinha? Nada mais light. Ou melhor, um trevo, aí fica uma coisa bem irlandesa, chique. Acho que se alguém ganha uma folha de mim vai me odiar mais do que se eu não tivesse dado nada, porque essa história de "o que vale é a intenção" a gente sabe que é mais fake do que neve tropical.

Voltando à minha realidade capitalista e nada vegetariana, lá fui eu com a minha listinha, e ao final de 5 horas de shopping só tinha conseguido comprar presente pra 3 pessoas: um sobrinho, uma amiga e eu (sim, eu, a única pessoa que eu costumo acertar na hora de presentear merece ser valorizada). Não por hierarquia, mas por falta de imaginação mesmo, pois só tive 3 ideias e nada mais.

Enfim, muito estresse e algumas bolhas depois, a missão foi abortada e tive que voltar pra casa. Sem dinheiro e sem presentes. Desculpa, pessoal, mas vejam se vocês me tiram como exemplo: presenteiem a si próprios. Poupar o trabalho dos outros também é uma forma muito nobre de se desejar um "Feliz Natal" que vale mais do que muita gravata e meia que é dada por aí. 

domingo, 11 de dezembro de 2011

"A felicidade é amor, só isto."

"Quanto mais envelhecia, quanto mais insípidas me pareciam as pequenas satisfações que a vida me dava, tanto mais claramente compreendia onde eu deveria procurar a fonte das alegrias da vida. Aprendi que ser amado não é nada, enquanto amar é tudo (...).

O dinheiro não era nada, o poder não era nada. Vi tanta gente que tinha dinheiro e poder, e mesmo assim era infeliz. 

A beleza não era nada. Vi homens e mulheres belos, infelizes, apesar de sua beleza.

Também a saúde não contava tanto assim. Cada um tem a saúde que sente. Havia doentes cheios de vontade de viver e havia sadios que definhavam angustiados pelo medo de sofrer.

A felicidade é amor, só isto.
Feliz é quem sabe amar. Feliz é quem pode amar muito.
Mas amar e desejar não é a mesma coisa.
O amor é o desejo que atingiu a sabedoria.
O amor não quer possuir.
O amor quer somente amar."

Hermann Hesse

Sábias palavras do Hesse. Creio que se atingíssemos a sabedoria de amar com desprendimento seríamos muito mais felizes. Vejo com tristeza tanta gente perdida. Vejo cada dia mais que o  modelo de "felicidade" que vem sendo espalhado por aí é totalmente equivocado. Um bom trabalho ajuda. Dinheiro também. Beleza? Claro. Saúde? Obviamente. Uma pessoa ao seu lado e boas amizades idem.

Mas o que vai determinar a sua paz de espírito e bem-estar na vida é algo independente de tudo isso. É algo que vem de dentro, e que mesmo na falta de um bom trabalho, beleza, dinheiro, saúde, uma pessoa ao lado e boas amizades vai brilhar e iluminar a quem está à sua volta. Você veio sozinho ao mundo e sairá sozinho dele. É sua responsabilidade fazer o melhor dessa combinação de talentos e defeitos que te tornam quem você é, e de mais ninguém. E se tiver que aprender apenas uma coisa pra que essa existência valha a pena, que seja a amar.

Somos ensinados a esperar do outro, a responsabilizar o outro pela nossa (in)felicidade; a amar a quem nos ama. A culpar e a humilhar quem nos ama mal. Ora, essa sociedade de tantos que se dizem cristãos, o que fizeram com o ensinamento de Jesus de amar a TODOS? TODOS para os leigos inclui também quem não te ama. Quem não te retribui o amor. E ainda assim dar a outra face e estender a mão nas dificuldades. E isso não tem nada a ver com falta de amor próprio. Quem nutre o amor próprio de atitudes alheias está fadado ao fracasso. O amor próprio é responsabilidade sua, e o amor alheio está fora do seu controle.

Mas ainda assim, ame e o seu amor retornará milhões de vezes mais forte. Se eu tivesse o direito de dizer apenas uma frase pro mundo, e que ela fosse profundamente compreendida e ouvida por cada ser humano, ela seria: o amor compensa.

 "Love is not consolation. It is light." [Friedrich Nietzsche]

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A fera (ou o homem?) da autocrítica

"Com nosso Lobo da Estepe sucedia que, em sua consciência, vivia ora como lobo, ora como homem, como acontece aliás com todos os seres mistos. Ocorre, entretanto, que quando vivia como lobo, o homem nele permanecia como espectador, sempre à espera de interferir e condenar, e quando vivia como homem, o lobo procedia de maneira semelhante

Por exemplo, se Harry, como homem, tivesse um pensamento belo, experimentasse uma sensação nobre e delicada, ou praticasse uma das chamadas boas ações, então o lobo, em seu interior, arreganhava os dentes e ria e mostrava-lhe com amarga ironia o quão ridícula era aquela nobre encenação aos seus olhos de fera, aos olhos de um lobo que sabia muito bem em seu coração o que lhe convinha, ou seja, caminhar sozinho nas estepes, beber sangue vez por outra ou perseguir alguma loba. 

Toda ação humana parecia, pois, aos olhos do lobo horrivelmente absurda e despropositada, estúpida e vã. Mas sucedia exatamente o mesmo quando Harry sentia e se comportava como lobo, quando arreganhava os dentes aos outros, quando sentia ódio e inimizade a todos os seres humanos e a seus mentirosos e degenerados hábitos e costumes. Precisamente aí era qua a parte humana existente nele se punha a espreitar o lobo, chamava-o de besta e de fera e o lançava a perder, amargurando-lhe toda a satisfação de sua saudável e simples natureza lupina."

O Lobo da Estepe (1927), Hermann Hesse

Me identifico totalmente com o trecho acima. Há dias em que a pessoa exemplar e a louca à margem que vivem em mim brigam quase o tempo inteiro. Eu sou, de fato, o meu inimigo mais implacável. Eu sei me menosprezar, me tirar do foco, me culpar com  um discurso mental enlouquecedor, me por fraca e mais fraca nos momentos onde não tenho como ir mais fundo, mais baixo que o chão.

Eu sou a tesoura que corta a corda. Eu sou a bota que pisa os dedos que seguram o corpo pesado à beira do abismo. Me pego a pensar em situações das quais não tenho controle algum como uma febre. Me deixo viciar em situações que me fazem mal, só pra me criticar mais um pouquinho depois. Não sei se isso tudo é culpa de alguma substância que falta ou que sobra, ou se vem de fora pra dentro, se é praga divina ou força do acaso. Mas prefiro dizer que a culpa é toda minha, porque bem, faz parte da minha natureza de carrasco dual da autocrítica.

Hoje me peguei nesse ciclo e sabotei a mim mesma. Estraguei meus planos de arruinar meu dia (ou pelo menos parte dele - a tarde já havia ido por água abaixo) e com um esforço descomunal desviei a atenção pra coisas mais saudáveis e menos destrutivas. Coisas que só a pílula mágica do autoconhecimento pode nos proporcionar, senhoras e senhores. A verdade é que só na autocrítica posso me melhorar, mas acho que ainda não acertei a mão no tempero amargo do autojulgamento.

Então no meio dessas fugas e descaminhos me percebi só – e ser só não é só ruim. Senti um prazer enorme em caminhar por aí sozinha. Acabei o dia com uma vontade de me fechar numa bolha com as minhas músicas que ninguém gosta, com os meus livros que só eu leio, com as minhas piadas das quais só eu rio, com as minhas filosofias nas quais só eu acredito, e dar as costas pro que restasse do mundo todo.

Esse mundo que me eu amo pouco e mal. Esse quebra-cabeça do qual sou pecinha disforme, e que sempre vai entrar em atrito com a minha personalidade deveras esquisita. E acho que quando o mundo não interferir mais, aí sim vou gostar de mim de verdade. Aí o crítico feroz talvez fará as pazes com aquela que vive à sombra do bicho papão chamado o-que -se-deve-ser-quando-crescer.

[Sei que eu não sou tão única assim, mas hoje me deixa achar que eu sou. Não me critique - eu já fiz isso por você.]