quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Quando eu virei mar


Quando voltei de anos vivendo na parte mais continental dos confins do lado de lá, eu quis ir pro meio do mar. Que aventura então seria passar dias e noites olhando o mar de cada escotilha, fizesse chuva ou fizesse sol! Muitos cursos depois, concordaram que eu seria uma boa marinheira, com a desculpa de ensinar dois idiomas um tanto enferrujados para a tripulação de um navio, e então lá fui eu embarcar nessa ideia maluca.
O meu lugar preferido de lá era o ponto mais alto possível, onde eu subia sempre que podia para conversar com Deus. Com o ruído alto das máquinas, era mais um sussurro.  Via homenzinhos cor de laranja andando lá embaixo, apressados. Ficava escondida ali, atrás da grande chaminé. No máximo, tinha a companhia dos pássaros, ou com sorte recebia a visita das baleias, dançando, exibidas e belas.
E era paz. Era ilhazinha flutuante cercada de mar e de céu por todos os lados. A imensidão do mar nos dá a ilusão de que tudo é eterno. Tímidos contornos de montanhas próximas ao horizonte lembravam que havia mais do que isso no mundo. E quando chegava a noite, era um abismo sem fim. Mas bastava me acostumar com as luzes do navio para perceber um peixinho aqui e ali e um céu de um milhão de estrelas. Ali em cima era solitário, mas era pleno. Era mais um descanso do que uma tristeza. Ali eu me descobri mar.
E mesmo hoje não estando mais lá, eu ainda sou mar. Graças àquele lugar, hoje eu carrego no peito um mar infinito cheio de peixinhos e baleias dançantes sob um céu de um milhão de estrelas pela vida afora. E eu ando querendo mesmo é navegar, fazer jus a esse nome que me deram me adivinhando.




quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Sobre leitura digital e Eliane Brum

Tenho lido muito pelo celular. Faço questão de ter uma tela gigante, o que facilita bastante a empreitada. Longe do ideal, eu sei, mas poder carregar trocentos livros num aparelhinho que cabe na palma da mão, podendo adaptar o tamanho da fonte e a luz da tela pra qualquer ambiente e situação é o que há de mais prático pra quem vive pra cima e pra baixo como eu. Leio na academia, e lá se vão pesados 30 minutos de exercício como se fossem 30 segundos. Leio nas pausas no trabalho, e quando eu vejo já li 3 livros em 1 semana. E foi nessa onda de devoradora voraz de e-books que eu descobri a Eliane Brum. Li a biografia dela, "Meus Desacontecimentos", disponível no Kindle Unlimited da Amazon, e fiquei apaixonada. Achei parecido com o jeito que eu gosto de escrever, com expressões cheias de significados e transbordando poesia como "um medo ainda sem vogais e sem consoantes" e "domingos cheios de dentes". 

Separei alguns trechos do livro para abrir o apetite literário de quem também se interessa pelo estilo:

"Da infância, somos todos sobreviventes."

"Cabelos castanhos com ondas suaves batendo na praia dos ombros."

"Como todos que se sabem frágeis, Lili ocultava sua delicadeza para que não a adivinhassem quebrável."

"Não sou capaz de esconder sentimentos, o que faz de mim uma aleijada social. O que vivo escapa pelos meus olhos."

"Aprendi ali que ninguém é substituível. Alguns se tornam substituíveis ao se deixar reduzir a apertador de parafusos da máquina do mundo. Alienam-se do seu mistério, esquecem-se de que cada um é arranjo único e irrepetível na vastidão do universo. Quando a alma estala fingem não saber de onde vem a dor. Então engolem a última droga da indústria farmacêutica para silenciar suas porções ainda vivas."

Prometo ler os outros dela e vir aqui pra contar. 


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Quase um ano depois da última postagem. Um ano depois de um carnaval que era feliz de verdade, que não carregava a sombra de uma tragédia. Em que não precisava desviar o pensamento toda hora do pior para não roubar a alegria de quem estava em volta. Mas eu prometo que vou voltar a escrever. Porque ele gostava de me ler, cobrava postagens no blog, contava os dias. Mas se esgotou o tempo em que eu poderia dizer alguma coisa para ele, qualquer coisa, e eu me sinto uma estúpida por ter parado de escrever por tanto tempo. Por ter deixado tantas coisas de lado. Por ter deixado as novas marés da vida me carregarem pra longe de gente que importa muito, com as quais compartilho algo que não sei o nome, mas que é de uma preciosidade única. Ele era uma dessas pessoas. Dessas que você reconhece pela vida de não se sabe onde, e que não se acha fácil por aí.

Nosso tempo é curto, e enquanto eu lamento a perda de alguns amigos, eu estou deixando de aproveitar ao lado de gente que ainda está por aqui. A verdade é que é preciso amar as pessoas como se o navio em que elas trabalham fosse explodir numa quarta-feira qualquer. Porque se você parar pra pensar...