quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Leituras e manias

Ah, os livros! Como diria Charles W. Eliot, eles são os mais silenciosos e constantes amigos; os mais acessíveis e sábios conselheiros e os mais pacientes professores. É uma pena que no mundo atual haja tão pouco silêncio e leitores, logo tão pouco espaço para a leitura, embora haja tanto material escrito. Eu, como boa leitora, amo livros. Sou bem seletiva para com novos exemplares; não me aventuro sem uma boa indicação ou um conhecimento prévio do tema ou autor. Adoro fazer releituras (principalmente em outras línguas, para comparar as traduções) e redescobrir histórias que me marcaram há tempos atrás. Mas é importante ressaltar que nem todos os livros, por melhores que sejam, me despertam a vontade de relê-los. Há histórias que são feitas para serem lidas só uma vez.

Florestas de Beckingen: palco para Siddhartha
Mas hoje não vou falar da história dos livros, mas da história das leituras. Como boa leitora, tenho algumas manias, como a da releitura, por exemplo. Tive uma conversa dia desses com meu amigo Glauco sobre hábitos de leitura e ele me contou coisas muito interessantes. Ele gosta de ler em trens e assim como eu costuma selecionar trilhas sonoras bem especias para seus livros, além de guardar na memória onde os leu. Já eu lembro bem que numa certa primavera li todo o Identity do Kundera num banco do cemitério da cidade de Merzig, Alemanha (gostava de ler em cemitérios por serem lugares seguros e silenciosos). O Siddhartha do Hesse foi o primeiro livro que li todo em alemão, e o fiz nas florestas de Beckingen. Então reabrir o Identity é voltar a ouvir o canto lamuriante dos corvos de Merzig, enquanto o Siddhartha me remete ao cheiro das árvores e ao som de riacho correndo. Aliás, não há lugar melhor no mundo para se ler Siddhartha do que à beira de um rio – quem já leu vai concordar.
Capela do cemitério de Merzig, onde li o Identity 
Há também a questão da procedência dos livros. Apesar de sofrer de rinite alérgica, eu amo sebos. Acho que livros usados tem uma história muito especial. Gosto de pensar nos seus antigos donos, no impacto que causaram em quem os leu anteriormente, e acho fascinante que alguns deixem pistas de suas identidades e impressões para os novos leitores, seja por uma assinatura datada, trechos grifados ou até mesmo por uma foto colada na contra-capa, como há no meu Siddhartha, comprado na Universität des Saarlandes na Alemanha: uma foto de dois amigos conversando, com o seguinte dizer abaixo: Bewegung, Veränderung, Stillstand, Bewegung. Wir reden noch! (Movimento, mudança, paralisação, movimento. Conversaremos ainda!) O. Schmidt, 28.06.94. Daí eu paro para pensar na história desses dois amigos: será que ainda se falam? Ou será que a promessa não foi cumprida? Aposto que o Hesse não esperava que um exemplar de seu livro causaria mais esse questionamento.

Grifando com carinho
Mas não há como falar de hábitos de leitura sem falar da arte de grifar trechos de livros. Não sei ler livros sem um lápis na mão para marcar e mais tarde voltar aos trechos preferidos.  A arte de grifar é para mim muito séria: há de se danificar o mínimo possível o livro; logo grifar com caneta é terminantemente proibido. Usar marca-texto, então, é imperdoável. Costumo marcar trechos com chaves, sublinhar bem de leve ou desenhar simplesmente uma estrelinha ao lado da parte mais importante. Alguns livros tem capítulos inteiros tão bons que costumo grifar a página toda com grandes chaves, como foi o caso do capítulo 22 da Valsa dos Adeuses do Kundera. Se o trecho é ótimo, ganha chaves e uma estrelinha, como também ocorreu nesse caso.
Alguns exemplares da minha amada coleção de Kunderas
Quanto à trilha sonora, A Imortalidade para mim tem como música de fundo perfeita a belíssima Traffic, do Stereophonics, em especial na parte em que Agnes sai de carro rumo à Suíça e, bem... leia o livro! ;) Te convido a entrar um pouquinho no meu mundo e a experimentar a melancolia de Agnes ao ler o seguinte trecho de A Imortalidade ouvindo Traffic. Aproveite e pergunte-se, ao fim: Is anyone going anywhere?

Paulo dirigia, enquanto Agnes contemplava a incessante agitação dos veículos, o piscar das luzes e todo o inútil burburinho de uma noite urbana que não conhece o descanso. Então, mais uma vez sentiu uma estranha e forte sensação que a invadia cada vez mais frequentemente: ela não tem nada em comum com essas criaturas de duas pernas, a cabeça acima do pescoço, a boca no rosto. Antigamente, sua política, sua ciência, suas invenções a tinham cativado, e ela imaginara, um dia, representar um pequeno papel em sua grande aventura, até o dia em que nasceu nela a sensação de não ser uma delas. Essa sensação era estranha, ela se defendia dela sabendo que era absurda e imoral, mas acabou se convencendo de que não se pode comandar os sentimentos: ela não podia nem se atormentar com suas guerras, nem alegrar-se com suas festas, porque estava impregnada pela certeza de que tudo isso não era problema seu.

E aqui vai a música:

E você, também tem suas manias ao ler um livro? Tem alguma história de uma leitura especial para contar? Adoraria saber a respeito! :)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Um brinde ao fim, enfim.


(...) reconheci então o quanto a amara e o quão profundamente confiara nela, para que seu abuso de confiança me tivesse podido afetar de modo tão grave e para toda a vida. 
HH


Acredite ou não, eu me compadeço da sua dor. Não me envaideço, não me sinto especial. Muito pelo contrário, sinto-me mais miserável ainda por não poder retribuir seu amor. Não mais. Talvez um dia, quem há de saber? Eu compreendo a sua dor enquanto azedo os seus planos; eu já estive no seu lugar.  Estamos todos mais ou menos no mesmo caminho. Sentimos mais ou menos a mesma dor, temos sonhos parecidos, os mesmos medos e sentimos a mesma indiferença pelos bons costumes. Já fizemos as mesmas promessas de nunca mais beber ou amar, e aqui estamos nós, embriagados e apaixonados, sabendo que a cabeça vai doer no final das contas.

Então não se compare nem se entristeça. Há alguma ordem secreta nesse caos e nada sabemos sobre o que deveria ser. Portanto, deixe não-ser. Abaixe as armas, não há mais razão pra lutar. Venha, sente-se ao meu lado. Vamos fazer um brinde do mais fino vinho ao azedo de nossas vidas. Vamos fazer discursos imbecis, como se um brinde tivesse algum poder mágico de mudar o rumo das coisas. Brindaremos ao que nunca deveria ter sido, mas, por impaciência, deixamos acontecer. Brindaremos a não se ter o que fazer. Vamos brindar ao que chegou tarde demais, aos erros irreversíveis, aos caminhos que nunca mais vão se cruzar. Um brinde aos amores perdidos, às tentativas em vão. Vamos esperar pelo fim do mundo com um sorriso idiota na cara e uma taça de vinho na mão.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Do oceano às montanhas, do velho ao novo: que venha o ano!

"Minha vida fora penosa, transtornada e infeliz, conduzindo à destruição e ao niilismo, fora amargurada pelo sal de todo destino humano, mas havia sido rica, orgulhosa e senhorial; uma vida soberba até mesmo na miséria. E ainda que o resto do caminho até o ocaso fosse inteiramente desfigurado, o cerne dessa vida fora nobre, tinha feição e estirpe, não girara em torno das moedas, mas em torno das estrelas."

O lobo da estepe, Hermann Hesse.

Essa minha primeira semana no navio foi única. Semana não, foram 8 dias. 1 dia a mais lá dentro faz muita diferença, especialmente quando ele está fora dos seus planos. Muito trabalho, muito stress, muitos momentos de não saber por onde começar nem como terminar. Foi semana de novidades, de mergulhar num microcosmo desconhecido no meio do mar, de conhecer pessoas incríveis, de contar com o apoio e o desapoio de quem estava em terra, quando me sobrava tempo pra tal.

Noite de comilança feliz com meus companheiros de clausura no navio
Eu juro que gostei de estar lá. Mas confesso que fechei desolada a cortininha da cama e fui chorar com o Lhamito debaixo do edredon quando me disseram que eu não estava na lista de desembarque do dia esperado, ainda que tenha levantado sorridente 20 minutos depois pronta pra voltar ao trabalho. Confesso que tive medo de passar o Ano Novo no navio, já não bastasse o Natal (se bem que a ceia foi - desculpa, mãe - a melhor de todos os tempos).

Helicóptero, seu lindo, por que me abandonaste no dia 29?
E foi com muita alegria que um belo dia chegou o helicóptero que me levaria de volta ao solo. E vários meios de transporte depois, por mar, ar e terra, barranco e lama, muita lama, cheguei numa casinha no meio do mato, onde passei o Ano Novo sem roupa nova, vestindo uma camisa xadrez, molhada de chuva, sem maquiagem, suja de terra, no melhor estilo: "Já é meia-noite!" "Legal! Agora passa o ketchup." E foi lindo.

Feliz Ano Novo! Mas e o ketchup?
Foi o primeiro Ano Novo em que não fiz resoluções. Se tiver que pedir, que continue tudo sendo assim. Eu sei que, depois de tantos descaminhos, estou no caminho certo. E em pensar que eu comecei minha vida toda de novo há 5 meses atrás! Acho que tenho um talento pra renascer; uma coisa meio fênix, sei lá. E tenho muito orgulho da vida que eu vivi até agora, uma vez que esta “não girara em torno das moedas, mas em torno das estrelas”.

Terminando um ano e começando mais outro nesse paraíso chamado Sana
Incorporo com muito gosto essa personagem que me foi oferecida, essa Mariana que vive metade do tempo no mundo da lua, que tem um fantástico mundo próprio que alterna entre o colorido e o sombrio, que tem medo de palhaço e tartaruga, que quer falar todas as línguas do planeta e que vai  acreditar que pode mudar o mundo enquanto houver mundo.

Que eu me aproxime cada vez mais de mim, que seja dona do meu destino. Hoje eu sei que acharei sempre o meu centro, quer eu esteja no meio do mar ou num país desconhecido. Eu sei que eu saberei recomeçar mil vezes mais se precisar. E é isso que eu lhe desejo nesse ano: que encontre o caminho em direção a você mesmo. Porque Ano Novo é tempo de repensar quem você é e pra onde está indo. Fechando com uma frase de Nietzsche: 


No price is too high to pay for the privilege of owning yourself. 

Feliz recomeço pra você também! ;) 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Fez-se mar

Acho que descobri a minha vocação: é viver no meio do mar. É ser barquinho. Sozinha, mas com o mundo dentro do peito. É ver o sol se escondendo debaixo da linha azul, e deixar que o balanço do mar embale meu sono. É ser norte, ser sul e ser lugar nenhum. É descobrir-me gota no meio desse grande círculo que me rodeia. É ser sol e lua cheia. É ser meio e ser nada. É presenciar o maior e mais raro dos espetáculos: o silêncio. É dormir e acordar com o horizonte retilíneo por todos os lados. É ver o céu limpo, de ponta a ponta, e secretamente entender o sentido de tudo, e por preguiça esquecê-lo logo em seguida. É ser vida. É deixar as nuvens pintadas de rosa invadirem o pensamento, elevando os sonhos e limpando o coração. É adquirir pelos poros a força de um oceano e a leveza de uma brisa. O mar me hipnotiza, me acalma, me preenche de imensidão. Levarei no coração um pouco do mar para o caos, e que daqui pra frente tudo seja mais azul.