domingo, 5 de fevereiro de 2012

Na pior em Paris e Londres

Que saudades de escrever aqui no bloguinho! Mas como no meu último embarque eu não conseguir levar o notebook para o navio (longa história) fiquei sem ter como atualizar o Doida.

Mas vamos ao que interessa. Acabei de ler um livro interessantíssimo e queria muito contar para vocês sobre ele! É o Na pior em Paris e Londres - a vida de miséria e vagabundagem de um jovem escritor no fim dos anos 1920 (cujo título original é Down and out in Paris and London – “down and out” é uma expressão utilizada no boxe quando o lutador é nocauteado e não consegue mais se levantar) de ninguém menos que o célebre George Orwell (autor de clássicos como 1984, que inspirou o "Big Brother"A Revolução dos Bichos). 

George Orwell
Como fã de Orwell, me interessei muitíssimo pelo livro, que o meu namorado acabou me dando de Natal. Eu já havia feito uns trabalhos sobre o Orwell, o que me motivou a escrever a minha monografia da graduação sobre um livro do Lima Barreto, que para mim em propósito era a versão nacional mais aproximada do Orwell. O caráter de crítica social e política das obras dos dois autores sempre me fascinou. Os dois abdicaram de tudo e resolveram levar a vida como escritores. Se dedicar ao próprio talento: aí está a meu ver uma das atitudes mais respeitáveis que um ser humano pode ter. Mas isso é assunto para outra vez.

Vamos ao Na pior. É um livro autobiográfico que fala sobre a pobreza nas duas capitais europeias em 1928. Orwell (nome real: Eric Arthur Blair) passou por maus momentos quando decidiu se dedicar à carreira de escritor. Passou fome, lavou pratos, viveu como mendigo. Nesse livro ele retrata sua experiência de extrema pobreza do início da carreira, que segundo ele serviu para “expiar a culpa de ter trabalhado por cinco anos na polícia imperialista britânica”.

Na pior descreve, como diz o nome, como é estar na pior. Mas na pior mesmo, de trabalhos de semi-escravidão à pobreza total. Sei que tem muita gente que prefere nem saber como é, mas eu gosto de me colocar no lugar do outro. Seus relatos são muitas vezes chocantes. É impressionante a descrição de Orwell em primeira pessoa sobre como é ser olhado como mendigo, ou qual a reação do corpo em estado de fome extrema. Orwell passou o pão que o diabo amassou. Eu que já dormi em praça e em ponto de ônibus na neve e comi restos de lanches de Mc Donald's alheios em minhas aventuras mochileiras vi que o que eu passei não foi absolutamente nada. 

Eu sempre tive curiosidade sobre a vida dos mendigos, essas pessoas transparentes pelas quais quase ninguém parece se importar. Como foram parar nessa situação de exclusão total da sociedade? Fala-se tanto em amor ao próximo, mas por que privamos esses seres humanos comuns do nosso amor?

Também é muito interessante o capítulo sobre as gírias e palavrões da época: o bloody e o fucking já eram usados, “anexados a qualquer substantivo”, e o bastard já era o pior xingamento possível para os ingleses.

Alguns trechos memoráveis:

"Quando você se aproxima da pobreza, faz uma descoberta que supera algumas outras. Você descobre o tédio, e as complicações mesquinhas e os primórdios da fome, mas descobre também o grande aspecto redentor da pobreza: o fato de que ela aniquila o futuro. Quando você tem cem francos, fica à mercê dos mais covardes pânicos. Quando tudo o que você tem na vida são apenas três francos, você se torna bastante indiferente. Você fica entediado, mas não tem medo. Pensa vagamente: `em um ou dois dias estarei morrendo de fome - chocante, não?'. E então a mente divaga por outros assuntos. Uma dieta de pão e margarina proporciona, em certa medida, seu próprio analgésico. E há outro sentimento que serve de grande consolo na pobreza. Acredito que todos que ficaram duros já o experimentaram. É um sentimento de alívio, quase de prazer, de você saber que está, por fim, genuinamente na pior. Tantas vezes você falou sobre entrar pelo cano - e, bem, aqui está o cano, você entrou nele e é capaz de aguentar. Isso elimina um bocado de ansiedade."

Sobre um mendigo: “Ele não havia comido desde de manhã, caminhara vários quilômetros com uma perna torta, suas roupas estavam encharcadas e meio penny o separava da inanição. Ainda assim, era capaz de rir de perda de sua navalha. Impossível não admirá-lo.”

“As roupas são coisas poderosas. Vestido com roupas de mendigo é muito difícil, pelo menos no primeiro dia, não sentir que se está genuinamente degradado.”

“Um homem que recebe caridade quase sempre odeia seu benfeitor – é uma característica da natureza humana (...)”

O que mudou em mim? Como o Orwell bem aconselha, “nunca mais vou pensar que todos os vagabundos são patifes bêbados, nem esperar que um mendigo se mostre agradecido quando eu lhe der uma esmola, nem ficar surpreso se homens desempregados carecem de energia, (...) nem recusar um folheto de propaganda, nem me deleitar com uma refeição em um restaurante chique. Já é um começo.” 


Se é. 

Um comentário:

  1. Posso dizer que me emocionei com o texto. Me lembrar de muita coisa que passei e as vezes, ainda me permito passar. Mas isso não é assunto para este espaço.

    Obrigado pelo texto, querida! Eu já li 1984 e Revolução dos Bichos, mas não conhecia o outro supra citado livro do Orwell e nem sobre sua historia. Buscarei corrigir isso o quanto antes!

    Beijos!

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