domingo, 23 de junho de 2013

A Lei do Eterno Retorno



“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela, poeirinha da poeira!“ Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!” Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” 

A Gaia Ciência, Nietzsche


Não há outro jeito. Vou me sentar à mesa, vão todos beber e rir e se sentir completos com fumaça nos pulmões e álcool a correr pelas veias. Vão contar histórias infames e arreganhar seus dentes amarelados ao gargalhar, embriagados e regurgitando desaforos. Juro que vou tentar acompanhar, vou forjar um sorriso aqui e ali, mesmo que nada daquilo faça parte de mim. Juro que a todo custo tentarei estuprar minha personalidade até meus limites. A certa hora, meu sono vai tomar conta e eu vou precisar me afastar. Ou não vai ser sono, vai ser fúria mesmo, e todo o teatro vai desabar, a lona do circo vai cair, o fogo vai consumir o que havia ali, e vou seguir tateando em meio à fumaça o caminho de fuga, buscando a linha tênue que ainda me liga ao que é meu. Vou fatidicamente retornar ao meu mundo, onde posso finalmente ser eu. Vou voltar a ser Agnes, a ser Lobo da Estepe, a ser Tamina, a ser Laura, a ser Sidarta, a ser Demian, a ser Sabina, às paisagens só minhas, às músicas mais que repetidas, a esse mundo por tão poucos compartilhado. É dolorido que meu mundo seja outro planeta. Sempre vai ser dolorido e ilegítimo abdicar do meu mundo para tentar fazer parte do mundo dos outros. Posso no mínimo visitá-los, esses tantos planetas mais ou menos iguais e tão estranhos, mas nunca vou habitá-los. Juro que vou daqui em diante procurar planetas em que eu reconheça ao menos uma rua, ao menos uma árvore seca. Que compartilhem com o meu uma paisagem que seja. Mas nesse eterno ciclo torturante de tentar fazer parte, tudo vai e tudo retorna. 
Veja só essa grande farsa que é viver. Por Deus, eu não vou mais mentir para mim.


"Ela não podia nem se atormentar com suas guerras, nem alegrar-se com suas festas, porque estava impregnada pela certeza de que nada disso era problema seu."

A Imortalidade, Milan Kundera




2 comentários:

  1. vem, vamos dar uma volta!
    :)

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  2. A partir de hoje estes momentos não mais existirão. Me parece que Deus criou um plano bem arquitetado. Foi preciso entender esses mundos diferentes para saber qual deles irá habitar. Mas a partir daquele dia, nos reconhecemos. Encontramos muito mais que ruas e paisagens em comum... Enquanto outros tentavam domar e criar fronteiras em nossas almas, uma vontade superior fez com que nos encontrássemos. E bastou um ponto em comum para percebermos que somos aqueles que estávamos a procura. Nos foi dado o tempo perfeito e certezas mais que redundantes para que pudéssemos dar as chaves de nossas almas, um para o outro. Então percebemos que essas chaves eram idênticas... Fomos escolhidos, um para o outro. Não havia outra alternativa. É único!

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