quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Faz cessar a tormenta"




 The Storm on the Sea of Galilee by Rembrandt 
O navio pende para a direta e para a esquerda numa cadência fantasmagórica. Tremores esporádicos. Lá fora, neblina de ocultar o horizonte. As ondas parecem pequenas daqui de cima, mas a real proporção delas só é percebida quando se vê um barquinho sendo içado pelas ondas e despencando ferozmente no mar bravio. Tentando distrair a mente e enganar o enjôo, vou procurar algo para fazer e leio algo bem verdadeiro, sem a roupagem dourada dos contos de fada, mas tão cinza como o céu lá fora, sobre o amor.

Eu, que já amei e desamei algumas vezes, que nem falo e sinceramente nem tenho interesse em saber se vivem algumas das pessoas pelas quais eu já abri mão de muitos planos e por quem muitas vezes até deixei de ser eu, não posso deixar de concordar com o que li e levantar com orgulho a bandeira contra essa falácia toda.

Confesso que ponho uma etiqueta imaginária com prazo de validade em tudo o que vivo ou me dizem atualmente. Sei muito bem que tudo vai passar um dia. Isso tira muito a graça das coisas, confesso. Mas ajuda e muito a não alimentar mais o abuso de confiança. Não é que eu não confie mais nas pessoas, é que nada que venha delas faz mais parte do meu foco. O meu foco está em mim. É o que me importa e é ao que eu tenho me dedicado. Fora disso, não sei mais realmente o que vale a pena.

Só o que vem de mim pode me nutrir realmente, e só o que eu alimento pode me destruir; e esse gigante no momento jaz magrinho. Ainda sou capaz de amar, mas não mais esperando um final feliz. Não mais abrindo mão de quem eu sou. Surpreenda-me e prove-me o contrário se for capaz. Mais do que medo de me machucar, hoje tenho pavor de machucar as pessoas. Eu que sempre tive um certo prazer masoquista em quebrar a cara e errar de novo - veja só que covarde eu me tornei.

Acho que é como olhar o mar de cima: só quem está lutando no barquinho contra as ondas sabe o que é uma tormenta, e há até quem tenha prazer em enfrentá-la. Do grande navio eu não sinto muita coisa. Depois de passar por tantas tormentas, eu prefiro me manter num local mais seguro. O caminho pode até me confundir às vezes, mas não me engana mais. E pode ser até que eu fale como leão, mas me sacrifique como cordeiro. É o suicídio nosso de cada dia; mas eu não posso fingir mais que não sei o que eu estou fazendo. É a navalha no pescoço da entrega. Vai encarar?



3 comentários:

  1. Wow! Bela resposta...
    Como eu escrevi no final... jamais podemos considerar como permanente, as decisoes que tomamos. Já cansei de dizer "nunca" e "sempre"...e percebi que essas palavras não são alçada do ser humano. É, como vc ilustrou, a "etiqueta imaginária de prazo de validade".
    Olhando de cima do navio ou não, eu prefiro ver você não sofrendo, já que a sua alegria é uma das poucas coisas que trás cor a esse mesmo céu tão cinza.

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  2. Estou em um navio semelhante, não sei se tão alto quanto, mais não deixa de ser um grd navio na tormenta, que confesso...já virou uma garoa...! isso é o belo...nossas tormentas viram garoas ou dias de sol, dependendo da lente que vemos nossas vidas!!
    Saudades!! t Amoooooooooo!!!!!!

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  3. As tormentas não duram tanto quanto imaginamos, nem os dias de sol, mas estão lá por um motivo e podemos aproveitá-los ambos! Nada de estar feliz, sejamos felizes! Bjs!!!!

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