sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A verdadeira indigestão

 Da série Crônicas do pré-embarque 

  Sobre monstros internos e maionese de azeitonas


Naquele dia acordei com a maior dor de cabeça que já acometeu um ser vivo possuidor de cabeça, tenho certeza. Tinha dor de cabeça de sobra pra dividir com um irmão siamês, se fosse o caso. Levantei apenas pra vomitar a alma e os dois comprimidos de Dipirona, que após engolidos jogaram uma partida rápida no meu estômago, até serem expulsos aos 10 do primeiro tempo. A partir dali, prometi ficar na cama sofrendo pelo resto do dia. Mas não, embarcaria no dia seguinte e as contas a pagar não tinham pena do meu mal-estar, enquanto o banco online, sarcástico que só ele, resolveu ficar fora do ar pra me assassinar de vez.
  
OK, fui cambaleante ao banco, paguei a bendita conta, passando por 4 caixas eletrônicos, que em complô com o banco online, resolveram igualmente ficar fora do ar. Essa máfia de sádicos da modernidade. Contas pagas depois, encontrei com um amigo que, vendo meu estado, me sugeriu um agradável passeio de fim de tarde ao hospital. E lá fomos nós esperar horas numa cadeira de recepção com um parco sinal de telefonia celular, até eu ser atendida por uma médica convencida de que as minhas dores eram ou falta de óculos, ou tensão pré-embarque. Ela lá, falando sobre as inúmeras causas de dores de cabeça e eu lá, falando aham, com cara de Esfinge como quem diz "Decifra a minha dor de cabeça ou devoro-te. Ou melhor, vomito-te" e esperando minha injeção de Plasil que eu sabia que ela fatalmente receitaria - médicos não são nada originais mesmo - pra apaziguar a Terceira Guerra Mundial que se passava no meu estômago e sumir dali, enfim.

– Bem, te receitarei Plasil. – disse ela, a descobridora da pólvora. Agradeci e parti pra enfermaria pra tomar o meu soro com remedinho antes de desaparecer.

Meia hora se passou, o remedinho já encontrava-se veia adentro e nada de aparecer uma enfermeira caridosa pra me livrar da agulha e me deixar ir pra casa. O que você faria? Eu podia ser a paciente, mas eu não estava com paciência alguma. Tentei esperar até começar a ficar verde de impaciência, me tornar uma quase-Hulk, arrancar agulha, o sangue jorrar longe, sujar tudo e eu fugir dali linda e tonta na minha melhor performance cinematográfica. Liberdade, ainda que sangrenta tardia. Saí e lá estava meu - esse sim - paciente amigo ainda me esperando. Pudemos então ir pra casa felizes e contentes. E você deve estar se perguntando o que tem a maionese de azeitonas a ver com isso tudo.

Pois bem, acontece que além da Esfinge e do Hulk que em mim habitam, há também como inquilina uma ogra esfomeada. Já em casa e melhor, deitei na cama e simplesmente não conseguia dormir pensando em devorar um pão com maionese de azeitonas. Veja bem, eu havia passado mal o dia inteiro, comido muito pouco, e necessitava desesperadamente devorar um pacotinho daqueles de maionese de azeitonas. Quase um suicídio pra um estômago sensível do mal-estar do dia inteiro. Resisti bravamente - orgulhe-se que não é todo dia - e não ataquei o molho mortal que ria de mim na geladeira; sim, eu podia ouvi-lo, envolto numa luz divina e com um coral de anjos cantando ao fundo.

Fico pensando em quantas vezes na vida a gente tem certeza de que fazer A ou B não trará nada de bom, mas mesmo assim vai, arrisca e quebra a cara bonito. Em quantas vezes constatamos que a voz interior mais uma vez estava certa. Que as pessoinhas que tentam te convencer seguindo os próprios interesses não sabem nada e na verdade nem se importam com o que você mesmo necessita ou quer pra você, que com certeza não é uma colherada da maionese de azeitonas quando seu organismo está debilitado demais pra tal.

Sei que quase sempre acabo ouvindo os outros e nadando numa piscina de maionese de azeitonas quando deveria ficar na dietinha light da torrada com chá preto. É insossa, eu sei, mas evita a dor de barriga do dia seguinte. E eu estou assim ultimamente, me poupando do que eu sei que não vai prestar e tentando como posso deixar a ogra esfomeada adormecida no seu sono leve. Ou pelo menos deveria estar. 

Será que existe um monstro famoso e mítico com a incrível capacidade de procurar o que não presta e ainda mentir pra si mesmo ou eu vou ter que inventar um agora pra poder citar aqui? Num momento de delírio inspiração, vou chamá-lo por enquanto de Hellmann's mesmo - não é um belo nome pra monstro? Hellmann's, meu monstrinho particular que é ótimo, mas faz um mal danado a longo prazo, e que pelo menos nesse dia do enjoo maldito eu consegui vencer. Mas como é que faz nos outros dias pra fugir do que não presta mesmo? Afinal, o monstro pode estar ali sempre, mas a gente não é heroína todo dia. Passa a colher.


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