sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"Não era tudo uma loucura?"

'Seria tudo isso verdadeiro e genuíno? Também ele estava rindo, divertia-se e procurava a alegria e o amor com olhos ávidos - mas, ao mesmo tempo, havia dentro dele uma pessoa que não acreditava em nada daquilo, que olhava para tudo com suspeita e zombaria. Seriam diferentes as coisas para os outros? Sabia-se tão pouco, tão desesperadamente pouco das outras pessoas. Aprendia-se uma centena de datas ridículas e os nomes de velhos reis ridículos quando se estava na escola. [...] Mas das criaturas humanas nada se sabia. Se uma campainha deixava de tocar, se um fogão começava a desprender fumaça, se uma engrenagem numa máquina enguiçava, sabia-se imediatamente o que devia ser feito e agia-se com presteza; o defeito era encontrado e sabia-se como corrigi-lo. Mas o que havia dentro da pessoa, a mola mestra secreta que era só o que dava sentido à vida, a única coisa dentro de nós que tem vida e é capaz de sentir prazer e dor, de desejar a felicidade e experimentá-la - isso era desconhecido. Nada se sabia disso, absolutamente nada e se a mola mestra falhava, não havia remédio. Não era tudo uma loucura?

Enquanto ele bebia e ria com Teresina, essas questões subiam e desciam em outras regiões do seu espírito, ora perto, ora longe da consciência. Tudo era duvidoso, tudo se engolfava em incertezas. Se, ao menos, soubesse de uma coisa: aquela incerteza, aquela aflição, aquele desespero em plena alegria, aquela pressão de pensar e interrogar existiam também em outros homens ou eram coisas reservadas apenas para ele, Klein, o excêntrico?

Descobriu que era bem diferente de Teresina, pois ela era infantil e primitivamente sadia. Aquela mulher, como todo o mundo e como ele mesmo anteriormente, contava sempre com um futuro, com o dia de amanhã e com o dia depois de amanhã, com a duração. Do contrário, como poderia ela jogar e levar tão a sério o dinheiro? Mas com ele, como sabia intensamente, o caso era bem diferente. Para ele, por trás de cada pensamento e cada sentimento, estava a porta aberta que levava ao nada. Sem dúvida, sentia o temor de muitas coisas: da loucura, da polícia, da insônia e do medo da morte. Mas tudo o que temia desejava e procurava ao mesmo tempo. Sentia-se cheio de ardente anseio e curiosidade em relação ao sofrimento, à destruição, às perseguições, à loucura e à morte.

"Mundo cômico", murmurou ele para si mesmo, referindo-se não ao mundo que o cercava mas ao seu ser íntimo.'

Trecho de Klein e Wagner, da coletânea de contos O Último Verão de Klingsor, Hermann Hesse

[Não aceito como legítimo um "eu te amo" até que se tenha lido isso ou pelo menos me conhecido dessa forma - fora isso considero-o, porém, um ledo e agradável engano.]

Agradecimentos ao amigo que me emprestou o livro. 
Ilustração de Dave Lupton

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