quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sobre a entrega

It is often safer to be in chains than to be free.
Franz Kafka
Um dos grandes dilemas da entrega não é apenas o medo de sofrer, mas principalmente a mais fundamental das questões, que é: será que eu quero?
Todo relacionamento amoroso, por mais superficial que seja, envolve a espera por algo; o doar e esperar doação. Quando o envolvimento aumenta, a espera se torna mais crítica e por vezes nos impede de respirar; ela se torna uma condição para a felicidade. Esquecemos porém que não há garantia de retribuição e satisfação dos nossos desejos, que cada indivíduo é um ser único e singular e que seu sentimento não pode ser controlado e deve ser respeitado.
A espera e o medo da não-retribuição se tornam pior do que a própria frustração dos sentimentos, pois frustração é solução (Lösung) e possibilita que sejam traçadas novas metas realisticamente. Já o medo paralisa; não é possível traçar metas realistas quando se há medo. O agir e o não-agir se tornam igualmente  plausíveis por não se saber com que cartas o outro está jogando.
Como o futuro é incerto, a única forma de avaliar se vale a pena ou não entregar-se é saber, no nosso íntimo, se estamos seguindo o caminho desejado. Porque as ilusões são muitas e por vezes nos enganamos achando que precisamos de algo totalmente desnecessário, apenas pela falta do real objeto de desejo no momento; queremos suprir o que não nos é dado. Acontece que o envolvimento no falso objeto de desejo ou objeto de substituição resultará fatidicamente em frustração, ou seja, muito trabalho e energia que poderiam ser poupados em prol do equilíbrio emocional.
 É a velha questão do “conhece-te a ti mesmo”. Conhecer-se é saber o que se é, e portanto analisar as situações à sua frente sabendo se ao seguir esse ou aquele caminho você estará sendo fiel a você mesmo, a seus desejos e aspirações, e mais ainda, à sua própria personalidade, e não apenas buscando algo que as outras pessoas consideram fundamental ou te aconselham a fazer. Conselhos são como peças de roupa: servem para uns, mas não servem para outros. Respeitar-se antes para respeitar o outro. Antes perguntar a si próprio e agir de acordo com os próprios desejos e metas no bem; isso sim é garantia de paz de espírito, estado necessário para ser feliz e suportar o sofrimento do caminho.
Respondida a questão do querer, o próximo passo é a entrega, e com ela a redenção (Erlösung). O altruísmo, ou o amor desinteressado, é talvez um dos maiores desafios da nossa sociedade doente e paranóica. Mas ele deve ser exercitado diariamente, pois não há bem maior do que doar sem exigências. Não, não será fácil. É mais fácil estar acorrentado a um jogo de cobrança, de dar e receber. Mas, ainda assim, não espere nada em troca. Aja antes corretamente e aguarde. A retribuição virá na hora oportuna.
Em alguma ruína inca na Cordilheira dos Andes

Um comentário:

  1. Como você é genial *--* e ainda lê meu blog. Fiquei até sem jeito agora que vi seu talento haha, te juro.

    Mas enfim, se tem um trecho perfeito, esse é "O altruísmo, ou o amor desinteressado, é talvez um dos maiores desafios da nossa sociedade doente e paranóica. " Até coloquei no face haha. Vou linkar seu blog no meu pra voltar mais vezes conforme as atualizações :)

    Entregas e desejos de sermos correspondidos acabam tornando um relacionamento meio que uma obrigação, com regras e doações com trocas. O que não é justo mas acaba sendo a nossa realidade egocêntrica.

    Muito bom ponto de vista. AS LOIRAS PENSAM SIM

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