sábado, 29 de outubro de 2011

Sobre estradas, caminhos e uma vida offshore pela frente


Desde pequena eu já sabia que a minha vida seria na estrada. Mapas, globos terrestres e documentários sobre aqui e ali sempre me fascinaram. Enquanto as meninas da minha idade se apaixonavam por um artista, eu costumava me apaixonar por um país. Colecionava fotos, informações e contava tanto sobre esse determinado lugar que as outras pessoas acabavam se apaixonando também por ele. Depois comecei a me apaixonar por bandas também, mas a questão geográfica delas era pra mim tão forte quanto a própria música.

Daí eu cresci e comecei a por em prática meu ideal de conhecer o mundo. Só que meu grande obstáculo era viajar de avião, pois além do medo de altura (ou melhor, do medo do chão mesmo naquela altura) sempre fico com a impressão de estar perdendo um pedaço enorme de terra e de mar pelos quais seria muito mais interessante ir passando devagarinho, parando e conhecendo.  Então avião pra mim é um combo de pavor e desperdício que eu prefiro evitar.

Acontece que o tempo e a distância costumam nos levar a “caminhar” pelo ar, pois infelizmente não é possível atravessar um oceano de jet ski, como o google nos sugere. E agora que vou começar a trabalhar offshore vai fazer parte da minha rotina viajar de helicóptero pra cima e pra baixo, o que a princípio me parece fascinante e ao mesmo tempo aterrorizante.

Apesar dos helicópteros e afins, acho por enquanto que será perfeito ficar longe da humanidade (ou boa parte dela), num “mundo distante” por 14 dias, e nos outros 14 dias ter tempo livre suficiente pra fazer o que eu mais amo: viajar! Mas acho que o maior desafio da profissão não vai ser viajar 1 hora de jet ski helicóptero até a plataforma, mas o lado psicológico, esse lobo que eu tenho que domar diariamente, o que me parece tarefa mais difícil ainda num ambiente de confinamento. Tenho certeza de que meu time de super-heróis vai me dar todo o suporte, mas acho que a briga maior vai ser comigo mesma.

Enfim, só vou saber quando cruzar essa ponte. Quero ser caminho, não estrada, e parar a cada passo pra admirar a beleza dos dias, um de cada vez, sem pensar muito no que virá ou deixará de vir. Ver a vida como caminho e não como estrada é entender que não há um destino a alcançar: o destino é o próprio caminhar. Milan Kundera em “A Imortalidade” compara a questão dos caminhos a da própria vida humana:

Antes ainda de desaparecerem da paisagem, os caminhos desapareceram da alma humana: o homem já não sente o desejo de caminhar e de extrair disso um prazer. E também a sua vida ele já não vê como um caminho, mas como uma estrada: como uma linha conduzindo de uma etapa à seguinte, do posto de capitão ao posto de general, do estatuto de esposa ao estatuto de viúva. O tempo de viver reduziu-se a um simples obstáculo que é preciso ultrapassar a uma velocidade sempre crescente.

No mundo das estradas, uma bela paisagem significa: uma pequena ilha de beleza, ligada por um longo caminho a outras pequenas ilhas de beleza.

No mundo dos caminhos, a beleza é contínua e sempre variada; a cada passo ela nos diz “Pare!”


Caminhando em Orscholz, Alemanha, bem segura e pertinho do chão.


2 comentários:

  1. Como sempre, um texto muito bem escrito. Você sabe o quanto palavras como "Caminho" e "Estrada" significam para mim. Impossível não ter me identificado com esse último post.

    Por maiores que sejam seus desafetos e medos, o maior desafio sempre será contra você mesma. A vida costuma nos dar várias pistas de como podemos encontrar forças para essa batalha.

    Como sempre, também estou na torcida por sua vitória!

    My best wishes, my dear friend!May your new life style be a happy time!

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  2. Estou, tocada, Mari. Comece um livro ;)

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